Há quanto tempo não escrevia ele uma palavra a sério? Meses? Anos? Há muito, pensou João, quando finalmente pegou numa caneta esquecida e voltou a tocar no papel. Há mesmo muito tempo que não escrevia. Há tanto tempo que parecia que nunca o tinha feito. João tocou no papel e tentou escrever, mas não saiu nada. Pensou, por isso, que a escrita talvez fosse como um motor - saudável quando exercitada e cuidada; mas que, quando deixada ao abandono durante demasiado tempo teima em pegar. E as palavras custavam a sair naquela tarde de Verão. Mas, ainda assim, João sentia (ou pelo menos tinha a esperança de) que, ainda que adormecidas, poeirentas e enguiçadas, as palavras não estivessem, de todo, mortas. Como se nunca tivessem partido dos seus dedos, dos seus braços, da sua mente. Afinal, as palavras eram tudo o que ele sempre fora, tudo aquilo que o definia, a si e ao seu mundo. Sem as palavras, sem a escrita, sem as ideias na sua mente, e sem as personagens que outrora criara, o mundo não teria mais sentido. E, por isso, mesmo sem escrever há anos, mesmo sem se lembrar de como era sentir as suas mãos sobre o papel e a tinta a beijar o branco de infinito de possibilidades do papel, João sabia que, enquanto estivesse vivo, as palavras nunca partiriam definitivamente.
No comments:
Post a Comment